segunda-feira, 1 de novembro de 2010

SONHOS NOS AJUDAM A VIVER MELHOR - PARTE 2



A ciência revela que sonhar deixa a memória afiada, ajuda a lidar com as emoções e nos treina para os obstáculos da vida real

É por causa dessa ligação com a memória que o sonho acaba ajudando também no aprendizado.
O psicólogo Scott está pesquisando o tema entre alunos universitários.

Na primeira etapa do estudo, realizada durante seu mestrado, dividiu um grupo de 94 vestibulandos entre os que relataram ter sonhado com a prova e os que não.
Ele percebeu que aqueles que sonharam com o teste iam melhor.
“Mas não era qualquer tipo de sonho”, adianta Scott.

Quando o relato dizia respeito a recompensas – como festas após a aprovação – ou a situações-problema – como perder a prova ou estar impossibilitado de fazê-la –, não era observado um melhor desempenho do candidato.
O aumento no índice de aprovação acontecia entre os alunos que diziam sonhar com o conteúdo das provas.
“É como se, nesses casos, a memória do que foi estudado estivesse mais consolidada na rede neural e houvesse um melhor bloqueio das influências emocionais que bombardeiam o estudante na hora do vestibular”, relata.

O achado da pesquisa de Scott corrobora outros estudos que mostram como sonhar pode ajudar o ser humano a encontrar as melhores soluções para seus problemas.
Muitos sonhos, como no caso dos alunos que anteveem o vestibular, atuam como simuladores de realidades futuras.
“É o que chamamos de sonhos antecipatórios”, afirma Scott.
“Eles funcionam de maneira probabilística: como se o cérebro estivesse simulando uma série de situações para tentar prever qual delas acontecerá no futuro.”
É o mecanismo biológico encontrado por nós para treinar várias respostas a um determinado evento antes mesmo que ele aconteça.



É por essa razão que muitos especialistas começam a investir mais nesse poder.
“Os sonhos podem ser um manancial de soluções para as questões do dia a dia”, disse à ISTOÉ a psicóloga Deirdre Barrett, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e autora do livro “Tudo Começou com um Sonho”.

“Basta prestar atenção no que eles querem nos dizer”, completa.
Em um de seus experimentos, Deirdre pediu a 47 pessoas que, durante uma semana, pensassem em um problema pouco antes de dormir.
Ao fim do período, metade do grupo relatou ter sonhado com aquilo que havia sido mentalizado.
“A maior parte disse que o sonho continha a solução para o problema”, conta.



A pesquisa captou uma maior quantidade de soluções para conflitos de natureza emocional do que para aqueles de origem mais objetiva.

Uma explicação para isso reside no fato de que o sonho facilita nosso mergulho em compartimentos mentais jamais acessados durante o dia, como pregava Freud.

“Eles guardam relação direta com o que acontece quando estamos acordados”, diz a psicóloga americana.

“Só que nesse estado diferente de consciência nosso cérebro pensa de um modo muito mais intuitivo e visual, contrapondo-se à maneira lógica e verbal do estado de vigília”, explica.

Por meio dos sonhos, portanto, a razão sai de cena, dando lugar a conteúdos mais relacionados à emoção – e que muitas vezes são sufocados pelo nosso lado racional.

É como se o sonhador trocasse as lentes com as quais enxerga o mundo.

Essa substituição pode ser capaz de lhe trazer respostas que não conseguiria encontrar por meio da razão.

Quando se sonha, dá-se continuidade a questões emocionais importantes não resolvidas enquanto o indivíduo está acordado, e seu cérebro continua tentando resolvê-las.

“Isso acontece mesmo que não nos lembremos do sonho no outro dia”, assegura Robert Hoss.

Um achado interessante, porém, indica que, se o que vivemos durante o dia alimenta nossos sonhos, o inverso também é verdade.

A psicóloga americana Rosalind Cartwright dedica-se há algumas décadas a pesquisar como o sonho influencia o humor e as emoções. Neste ano, publicou o livro “The Twenty Four Hour Mind: The Role of Sleep and Dreaming in our Emotional Lives” (A mente vinte e quatro horas: o papel do sono e dos sonhos em nossas vidas emocionais, numa tradução livre), resultado de seus últimos trabalhos na área.

Rosalind observou que, normalmente, as pessoas têm um primeiro sonho em que predominam sensações negativas e que, ao longo da noite, os demais vão neutralizando esses sentimentos e tornando-os positivos.

Assim, ao acordar o indivíduo terá mais fresco em sua memória o “sonho bom”, que cronologicamente aconteceu por último. Isso vai influenciar seu humor pela manhã.



A primeira vez que a pesquisadora percebeu essa função reguladora do humor foi durante estudos com casais recém-separados que estavam em depressão.

Quem acordava se lembrando de sensações negativas relacionadas ao ex-parceiro – como sonhar que estava sendo punido ou rejeitado pelo outro – demorava mais tempo para superar o trauma.
Além disso, Rosalind notou que a mudança de comportamento nos sonhos também ajudava a superar a depressão.
“Quem, nos sonhos, abandonava uma atitude passiva para se tornar mais ativo também melhorava mais rápido”, afirma.

Nas investigações sobre os aspectos emocionais associados aos sonhos, os pesquisadores deram-se conta de outro benefício.
Ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, sonhar repetidamente com um evento traumático não reforça as sensações negativas vinculadas ao episódio.

“As pessoas sonham muito com um trauma após sofrê-lo para que a mente tente dominar esse estímulo desagradável”, diz Elie Chenieux, professor de psiquiatria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Cada vez que o episódio traumático reaparece, novas associações são criadas, tentando torná-lo mais aceitável.
Isso vale para qualquer trauma, seja uma separação, seja um assalto ou um ataque de um cão.
“O sonho é terapêutico por si só”, afirma o professor.

Na realidade, até mesmo os pesadelos clássicos têm o poder de nos ajudar a ter uma vida melhor.
Eles são os elementos principais da “Teoria da Simulação do Perigo”, criada pelo cientista Antti Revonsuo, da Universidade de Skövde, na Suécia.

“Os pesadelos mais típicos e universais que temos mostram que nós seguimos sonhando com os perigos de nossos ancestrais”, contou Revonsuo à ISTOÉ.

Assim, sonhar com uma fera faminta correndo atrás de você seria uma espécie de resquício de tempos passados.

“Essas eram as situações de perigo mais comuns para os nossos ancestrais e o objetivo do pesadelo era que eles ensaiassem saídas para quando estivessem realmente diante delas”, analisa o cientista.

Esses riscos não fazem mais parte da vida moderna, mas nosso organismo ainda não foi capaz de se livrar dessas imagens – há outros pesadelos ancestrais que continuamos a ter, como cair de lugares altos, perder-se, ser pego por uma armadilha ou ficar exposto a fenômenos extremos da natureza, como tempestades ou dilúvios.

Isso se deve em parte ao fato de que o sistema límbico, responsável pelo sono REM, é uma parte primitiva do nosso cérebro.

“Essa região, conhecida como cérebro visceral, existe também em outros animais, até mesmo em aves”, diz Gilberto Xavier, professor de neurofisiologia da Universidade de São Paulo.
“Por isso elas também sonham.”


No mundo atual, em que o ser humano está exposto a ameaças diferentes, os sonhos perderam a obviedade, mas não a importância.

Os pesadelos continuam a nos ajudar na preparação para o enfrentamento dos obstáculos e do estresse do cotidiano.

Até porque, embora distintos, perigos permanecem a nossa frente.



Para captar a mensagem que eles nos enviam, todavia, é preciso entender a linguagem dos sonhos – mais metafórica – e ter em mente que só o próprio sonhador compreende o conteúdo que sonhou.

Nem gêmeos idênticos encontrarão o mesmo significado para os seus sonhos.
“Cada pessoa é única.

Elas são estimuladas pelo ambiente de forma diferente e têm seu próprio conjunto de símbolos, que acham mais ou menos significantes”, afirma Xavier.
Para decifrar esse conteúdo, porém, nada de dicionários de sonhos.

“Buscar o significado do seu sonho em um livro do tipo é o mesmo que tentar entender o amor por meio de textos”, brinca o psicoterapeuta Ascânio Jatobá, coordenador do Curso de Sonhos, em São Paulo.
“É melhor se apaixonar, não é mesmo?”

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