sábado, 15 de dezembro de 2012

História da Astrologia


O Timeu de Platão e os primórdios da Astrologia
Marcus Reis - Astrólogo


O presente texto procura apresentar alguns resultados da pesquisa que venho realizando sobre os antecedentes filosóficos da astrologia; mais especificamente, sobre como a visão de mundo apresentada no diálogo Timeu de Platão se adéqua ao saber e à prática dos astrólogos tanto de agora como de outrora.

Podemos dizer, de modo amplo, que a astrologia é um campo entre outros do saber humano.
Os campos do saber aceitam sem investigações prévias um mundo dado a partir do qual realizam suas pesquisas.
Todo campo do saber - exatamente por ser um campo restrito e não abarcar o todo da realidade - pressupõe uma compreensão maior que englobe a Totalidade e acomode os 'campos do saber' em seu respectivo esquema geral.
A biologia, por exemplo, não estuda o que seja a vida em si mesma, mas estuda os animais vivos particulares, aceitando sem mais investigações que há seres vivos e seres não vivos.
É fato bem conhecido que tanto para o antigo Aristóteles quanto para filósofos contemporâneos como Heidegger e Ortega y Gasset , as ciências particulares, exemplos de campos do saber, são dependentes de uma visão global de mundo que as próprias ciências não investigam especificamente, mas a tomam do senso comum ou da filosofia de sua época.

O saber astrológico também não foge a esse princípio geral das ciências e, como todo saber, pressupõe uma visão global de mundo que o respalde e fundamente em suas afirmações.
Apesar de na história da astrologia muitos sistemas filosóficos terem contribuído para dar fundamento às atividades e pesquisas dos astrólogos, tais sistemas nem sempre são reconhecidos pelos praticantes dessa arte milenar, deixando uma lacuna em um conhecimento prévio que sustenta e baliza a prática e o saber astrológico.
É certo que esse estudo prévio não é necessariamente da alçada do praticante de astrologia, mas, no entanto, para o pesquisador e pensador da mesma, e especialmente para o historiador da astrologia, faz-se importante um esclarecimento e reconhecimento dessas bases filosóficas.

É bem conhecida a influência que sofreu a astrologia de certa visão de mundo encontrada em Platão, especialmente no diálogo Timeu .
Bouché-Leclerq, no seu grande estudo L'Astrologie Grecque , trata do Timeu como o diálogo de Platão que mais influenciou a história da astrologia.
Também Olavo de Carvalho, em seu livro Astros e Símbolos, cita um trecho do Timeu como "norma e bússola a fixar a verdadeira direção e vocação dos estudos astrológicos [...]" .
Vemos, assim, que desde o nascimento da astrologia até os dias atuais, o Timeu de Platão vem influenciando o pensamento astrológico.

O diálogo Timeu comporta uma cosmologia, isto é, descreve e procura argumentar a favor de uma forma de compreender o kosmos , e com isso a totalidade do universo, especialmente no que toca o seu nascimento.
Trata-se da descrição do nascimento do universo a partir de certos argumentos primordiais que conduzem e orientam a investigação.
Ora, como já vínhamos dizendo no início, qualquer compreensão da astrologia pressupõe um universo a partir do qual ela faça sentido e sobre o qual ela elabore suas teses e extraia suas conclusões.
É nessa perspectiva que nos interessa o estudo do Timeu, pois não há ali explicitamente uma 'astrologia', mas sim uma visão de mundo a partir da qual a astrologia se baseia ao longo de sua história.
Não podemos dizer que há astrologia na Grécia da época de Platão, muito menos a que é mais difundida hoje em dia, a genetlíaca .
Vale lembrar, antes de entrarmos mais propriamente nos detalhes da construção do universo, que diversas vezes Platão nos lembra através do seu personagem Timeu, que as especulações acerca da cosmologia não devem ser consideradas literalmente, mas como uma descrição verossímil, já que o conhecimento perfeito do universo somente pertence a Deus.
O que temos, em realidade, não são afirmações cabais, mas apenas concepções do universo que se encaixam em muitos aspectos no conhecimento astrológico subseqüente.

É importante que tenhamos claro o que seria uma 'visão astrológica do mundo'.
No entanto, pelo curto espaço de que dispomos, podemos aceitar uma definição preliminar da astrologia em que ela seria o estudo das relações entre as posições relativas dos orbes celestes com os fatos terrestres, especialmente, mas não exclusivamente, com os fatos que concernem à vida humana.
Entretanto, em um estudo mais profundo, que não cabe aqui, das relações entre a filosofia de Platão e a astrologia, seria necessária uma análise mais detalhada do que vem a ser a 'visão astrológica do mundo', colocando em questão e fundamentando sua definição.

Podemos encontrar no mínimo quatro pontos em que o Timeu parece corroborar uma visão astrológica do mundo.
Vamos enumerá-los para então tratar de três deles em separado. Em primeiro lugar, todos os fenômenos ganham um encadeamento racional visando o bem e a beleza, excluindo o acaso, isto é, temos no Timeu uma visão teleológica da realidade, que nos possibilita dar sentido aos fenômenos celestes e traçar uma relação com os terrestres.
Em segundo lugar, temos uma isonomia entre o cosmos, a cidade e o homem, isto é, essas três instâncias da realidade possuem estruturas semelhantes e correlatas, também viabilizando a relação entre céu e terra.
Em terceiro, temos no diálogo citado um vasto estudo das características e funções que os famosos quatro elementos (fogo, terra, água e ar) possuem, descrevendo de que forma eles nascem, como são estruturados e quais são suas funções no desenrolar e desenvolver-se do kosmos .
Em quarto lugar, temos o que acredito ser o ponto mais forte em relação a uma fundamentação da astrologia: o homem, segundo o Timeu, deve buscar pautar sua vida e sua alma de acordo com as revoluções dos orbes celestes.
O que vem a ser esses pontos, veremos a seguir .

Em sua descrição do nascimento do kosmos, Platão no diálogo Timeu apresenta a realidade total como teleológica.
Esse termo designa a característica de ter uma finalidade, de ter uma razão, um objetivo para ser o que é.
O termo telos contido em 'teleológico' designa a noção de 'finalidade' em grego, mas não se trata da finalidade como é comumente entendida.
Telos em grego designa aquilo que estava presente desde o início, forjando e conduzindo a realidade para vir a ser o que ela é.
Finalidade não é uma realidade mental que ao conduzirmos nossa vida podemos ou não tê-la em mente.
Quando um grego dizia que o que ora ocorria era o télos da coisa, tratava-se de salientar uma tendência natural da própria cosia, como o seu destino.
Com certeza, a noção de destino está implícita na noção de télos, mas não trataremos de destino pessoal ao falarmos do Timeu de Platão.

Timeu, o personagem principal deste diálogo homônimo, claramente um pitagórico , relata como o demiurgo , o artesão universal, forja o universo sensível tendo como modelo o universo inteligível . Temos então a famosa cisão platônica do mundo: de um lado há o mundo do devir, que nasce e morre a todo instante e, de outro, há o mundo inteligível, eterno e imutável.

A noção que afirma que o mundo sensível contém uma racionalidade intrínseca é quase instintiva e primitiva para o homem: a realidade não é um conjunto de coisas e objetos caoticamente encadeados, jogados a esmo e por acaso, mas constitui o resultado de uma inteligência, que ordena tudo de acordo com um modelo exemplar.

Platão, repetindo uma tendência presente em praticamente todos os seus diálogos, vai dizer no Timeu que há uma razão para a totalidade ser como é, já que tudo se faz em vistas ao melhor - o mundo sensível seria o mais perfeito possível, salvo suas limitações internas.
Um dos motivos da excelência da criação está na própria natureza do demiurgo: "[O demiurgo] era bom, e no que é bom jamais poderá entrar inveja seja do que for.
Quis então, na medida do possível, que todas as coisas fossem semelhantes a ele." O criador, sendo ele mesmo bom, não poderia deixar de ser generoso para com sua criação.
E assim, fez a desordem passar para a ordem, criando o mundo sensível e ordenado que captamos pelos cinco sentidos.

A predileção de Platão pelo Bem e o Belo é bastante famosa, e aqui em sua cosmologia ele nos deixa bem claro que não há nada no universo que não seja regulado e conduzido por essas idéias.
Há um sentido e uma razão para os fenômenos serem como são, mesmo que aparentemente a multiplicidade das coisas possa ser visto como caótica ou casual.

Isso posto, temos respaldada a desejada relação entre céu e terra, já que podemos apontar um sentido maior nos movimentos celestes e compará-los aos fenômenos terrestres.
Os corpos celestes e seus orbes não foram fixados pelo choque caótico de partículas através de milhares de anos, mas são antes a manifestação de uma vontade, de uma inteligência que ordenou tudo da melhor forma possível.
Há uma ordenação nos fenômenos que nos possibilita traçar leis, traçar repetições, descobrir ciclos estáveis, e assim criar expectativas e extrair resultados e conhecimentos dos mais variados .
Quando um astrólogo faz uma afirmação sobre a personalidade de um indivíduo a partir de posições astronômicas, por exemplo, ele está implicitamente dizendo que os fenômenos têm uma ordenação, têm uma organização e uma racionalidade e que eles não estão jogados caoticamente.
O mundo sensível como um todo, sendo a manifestação de uma racionalidade, possibilita o estudo e a compreensão dessa racionalidade, e sustenta a coerência e a harmonia entre os fenômenos.
A afirmação de uma vontade universal por trás dos fenômenos possibilita traçarmos um 'sentido maior' no universo, e assim correlacionar o que há no alto com o que há em baixo.

Passemos então a tratar do segundo ponto já apontado, o da isonomia entre o cosmo, a cidade e o homem. A partir da divisão do mundo em sensível e inteligível, da subordinação do primeiro ao segundo e da afirmação de um universo teleológico, isto é, estruturado com vistas ao bem, Timeu passa a descrever a formação da alma do universo .
Aqui, vale lembrar que na concepção do universo no Timeu, a totalidade do mundo sensível é um ser vivo , que tem alma e corpo.
Dessa forma, os astros, a terra, o mar e o céu, por exemplo, são todos componentes vivos de um grande ser vivo, que pensa, tem intelecto e por isso conhece.

O demiurgo forja a alma do mundo a partir de uma mistura de três grandes gêneros, o gênero do Mesmo, o do Outro e o do Ser .
Colocando essa mistura em um grande vaso, ele retira porções matematicamente harmônicas para formar a alma do mundo e com ela dois círculos astronômicos: o círculo do Mesmo (o equador celeste) e o círculo do Outro (a Eclíptica).
Platão, pela boca de Timeu, começa a descrever os fundamentos metafísicos de alguns dos conhecimentos astronômicos de sua época. Timeu coloca esses dois círculos em forma de X, lembrando assim a angularidade que há entre o equador celeste e a eclíptica .
O círculo do Mesmo (o equador celeste) tem o seu movimento sempre igual (do oriente para o ocidente), e carrega junto de si o círculo do Outro (a eclíptica), mesmo este tendo o movimento contrário ao dele (do ocidente para o oriente).
O demiurgo ainda vai fazer sete divisões no círculo do Outro, formando assim os círculos por onde trafegam os planetas, que serão forjados posteriormente e instalados nessas sete divisões, produzindo assim a noção de tempo cronológico , que ainda não existia.

Depois de o demiurgo criar os planetas , incluindo o sol e a lua, e também depois de criar as estrelas fixas, todos esses sendo deuses feitos de fogo, ele lhes designa a tarefa de criar os outros seres vivos que povoarão a terra. A criação deve respeitar o modelo inteligível e copiar no sensível as quatro raças correspondentes aos quatro elementos: a da água (animais marinhos), a do ar (pássaros, etc) e da terra (animais terrestres) - a raça do fogo já havia sido criada, são os próprios deuses-estrelas.

São essas estrelas e planetas que vão criar a alma desses animais , e com certeza isso vai, em muito, ao encontro das teses astrológicas que defendem uma relação estreita entre as posições dos astros e os fenômenos terrestres. Ao forjarem essas novas almas - e Timeu vai dar mais atenção para a feitura da alma dos humanos - os deuses vão copiar o mesmo processo do demiurgo para forjar a alma do mundo.
Também as almas humanas terão em si mesmas seu círculo do Mesmo e seu círculo do Outro.
Vemos assim que há uma relação estrutural entre a alma do universo e a alma individual: os mesmos aspectos que criam a alma universal - o Mesmo e o Outro - também vão criar a alma individual.
Vale lembrar aqui a República de Platão, que se apóia durante todos seus dez livros na isonomia entre a cidade e o homem.
É porque há uma estrutura paralela e semelhante entre sociedade e indivíduo que Sócrates, personagem principal da República, vai poder procurar a justiça na cidade para depois encontrá-la no homem.
Aqui no Timeu, ocorre algo semelhante, pois a alma humana será forjada nos mesmos moldes da alma universal, preservando assim a relação recíproca de elementos estruturantes do cosmo e do indivíduo.
Fica claro, dessa forma, que a isonomia, isto é, a semelhança de estrutura entre a alma do universo e alma do homem corrobora a relação entre o céu e a terra necessária na visão astrológica do mundo.

Passemos, por fim, a tratar do terceiro ponto relevante do Timeu. Trata-se especialmente de duas passagens explícitas que defendem a seguinte idéia: o homem deve copiar nas 'revoluções' de sua própria alma as revoluções inteligíveis dos fenômenos celestes.
Em determinada etapa do diálogo, em que Timeu está descrevendo os sentidos (audição, tato, visão, etc.) e como eles funcionam, aparece a necessidade de fundamentá-los em uma causa mais profunda do que a simples execução de fatores materiais.
A verdadeira causa da visão, por exemplo, não é a articulação dos órgãos óticos, mas sim que o homem possa ver as revoluções celestes e aprender diversos saberes, desde a ciência dos números até a filosofia.

A visão, de acordo com minha opinião, é a causa do maior bem para nós, porque ninguém que não tenha visto nem as estrelas, nem o sol, nem o céu, poderia ter enunciado os presentes discursos sobre a totalidade.
Por serem visíveis, o dia e a noite, o mês e as revoluções dos anos maquinaram não apenas o número, mas também nos deram a consciência do tempo e a investigação da natureza da todo.
A partir desses pontos, nós descobrimos a filosofia, da qual maior bem dado pelos deuses não poderá vir, nem nunca chegará à raça dos mortais. [...]

Mas devemos afirmar que a causa da visão é esta e para estes fins: o deus descobriu e nos deu a visão para que contemplando as revoluções do intelecto no céu, as usássemos sobre as revoluções dos nossos pensamentos, pois elas são semelhantes àquelas, as desorganizadas semelhantes às organizadas.
Nós, aprendendo com elas, e adquirindo os cálculos corretos por natureza, devemos imitar as essências completamente imóveis do deus, colocando estáveis as essências erráticas dentro de nós .

Está aí, explicitamente, o fundamento da visão astrológica que vínhamos falando desde o início: há uma relação fundamental entre os fenômenos celestes e os terrestres, especialmente os acerca da alma humana. Essa passagem está em conexão com outra na República que defende a astronomia e a matemática como disciplinas preparatórias para o homem se tornar filósofo.
A principal causa de nós termos olhos e visão é para alcançarmos a filosofia, investigação da natureza do todo, a partir da contemplação dos orbes celestes.
Ainda mais, já que a nossa alma e a alma do universo são isonômicas, podemos aprender com as revoluções perfeitas do céu a ordenarmos nossas revoluções dentro de nós mesmos.
Isso pressupõe que nossa alma tem as mesmas revoluções celestes, mas estão perturbadas pelos fluxos e refluxos da matéria corporal - como é dito posteriormente - que desordena e confunde as revoluções inteligíveis dentro de nós.
Dessa forma, a astronomia não tem sentido se estudada com um fim em si mesma, isto é, somente em vistas a descoberta dos exatos movimentos que os orbes celestes realizam, mas ela deve ser fundada em um anseio maior, que perpassa toda a filosofia grega: a descobrir como viver bem .
A partir da contemplação dos movimentos dos astros podemos aperfeiçoar nossa alma, e não há nada mais parecido com o fundamento da visão astrológica do que isso.

Ao final do diálogo, como conclusão, Platão parece querer apenas reforçar o que ele já disse na passagem citada e também durante todo o Timeu:

Em tudo, só há um meio certo de cuidar seja do que for: conceder a cada coisa a alimentação e os movimentos adequados.
Os movimentos semelhantes com a porção divina dentro de nós são os pensamentos do todo e as revoluções circulares.
São essas que cada um de nós deverá seguir, para corrigir os circuitos que ao nascimento se iniciaram erroneamente em nossa cabeça, o que se consegue com o estudo da harmonia e das revoluções do universo e com igualar a parte pensante, em conformidade com sua natureza original, ao objeto do pensamento e, com isso, alcançar, no presente e no futuro, a meta proposta aos homens pelos deuses.

A meta proposta não pode ser nada além da própria felicidade.
Quase não precisamos falar mais nada para apontar a implicação astrológica que resulta dessa passagem.
Obviamente não estão aqui todos os detalhes das técnicas astrológicas, como, por exemplo, as características particulares de signos e planetas, mas encontramos o princípio organizador e motivador da investigação astrológica.
Platão no Timeu corrobora, explica e fundamenta um 'imperativo astrológico' que nem sempre é claro para os próprios astrólogos: imita em sua alma perturbada, a ordem inteligível do céu eterno.

Como o próprio Bouché-Leclercq diz, não sem um sarcasmo que lhe é habitual, Platão está cheio de tudo que os astrólogos precisam para fundamentar suas crenças e atividades: "Tudo em Platão estava pronto para se converter à astrologia" .

Concluindo, lembramos os três pontos do Timeu aqui apresentados que corroboram a visão astrológica do mundo.
1) O universo é teleológico, isto é, ele tem uma finalidade, o bem e o belo, e as posições dos orbes celestes e toda a realidade apenas manifestam sensivelmente esse bem supremo.
2) A alma do mundo e a alma do homem são isonômicas, isto é, têm estruturas semelhantes.
3) A felicidade do homem é encontrada quando ele consegue imitar nas revoluções de sua alma as revoluções inteligíveis dos orbes celestes.


http://astrologiaetarot.no.sapo.pt/astrologia.htm

Nenhum comentário :