segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O UNIVERSO PARALELO ENTRE UMA VIDA E OUTRA



A possibilidade de vida e morte serem mais do que processos biológicos, a existência da alma e a idéia de viver várias vezes são temas que agitam discussões filosóficas e religiosas desde tempos remotos.

Os tibetanos, os egípcios e os hebreus da antiguidade tinham cada um a sua versão para o que acontecia depois da morte.

Em todas as culturas e mitologias, há referências sobre essas questões que sempre permearam a busca de identidade do ser humano.
O assunto polêmico também agita o meio científico.

Muitos estudiosos se dedicam a desvendar em laboratório o misterioso mundo do além. No final de outubro, cientistas e religiosos se reuniram em Brasília no congresso Discutindo a Morte e a Vida após Ela, organizado pela Legião da Boa Vontade (LBV).

Em pauta, estudos e análises de físicos e matemáticos de possíveis evidências registradas a esse respeito, como as visões descritas por pacientes em estado terminal, de quase morte ou coma.

“Há uma tese que diz que são alucinações geradas pela falta de oxigênio no cérebro. O problema é que existem apenas evidências e não provas desses fenômenos.
E eles podem ter explicações alternativas apesar de se repetirem da mesma forma em vários lugares do mundo”, diz Waldyr Rodrigues, professor da Unicamp, matemático e doutor em física pela Universidade de Torino, na Itália, um dos palestrantes do congresso.

O professor lembra, no entanto, que as verdades científicas são às vezes efêmeras – o que é absolutamente certo hoje pode deixar de ser amanhã.

“Muitas teorias são aceitas sem uma rigorosa avaliação só por virem de profissionais de prestígio.
Ouvimos recentemente a tese de que o universo seria finito e teria a forma de dodecaedro.

A topologia do universo é também uma coisa que não se pode provar, apenas deduzir. Por isso, erra quem diz que só acredita no que a ciência pode mostrar”, afirma ele. A contribuição dos espiritualistas passa pela busca de formas contundentes para a aceitação do transcendental, como a gravação de vozes e até de imagens de espíritos.

Mas, enquanto os religiosos e os cientistas tentam “apalpar” esse mundo imaterial, outros querem é saber o que é que se faz por lá.
Há cerca de 40 anos, em alguns consultórios de psicologia o assunto passou a ser considerado aceitável devido aos relatos de pacientes submetidos à terapia de vidas ou vivências passadas.

No tratamento, eles são levados, por indução hipnótica ou relaxamento, a reviver memórias traumáticas de supostas reencarnações.

Um vasto campo de pesquisas foi aberto pela menção da experiência em vários corpos e, passada a primeira fase de perplexidade, surgiu o interesse pelo que chamam de entrevidas – período entre uma encarnação e outra.
Se o ser humano vive várias vidas, o que faz entre uma e outra?

Segundo os pacientes, se prepara para a nova empreitada na Terra.
Muitos são levados a hospitais, outros a centros de recuperação e estudos.

Eles descrevem com riqueza de detalhes os estados emocionais, conflitos e encontros com familiares ou seres mais evoluídos.
O estágio no além foi um dos temas abordados no Primeiro Congresso Mundial de Terapia Regressiva, realizado na Holanda em junho, que reuniu 230 representantes de associações e institutos de terapia de regressão de vários países.

E sobre essa etapa espiritual também versa o recém-lançado livro Nascer, morrer, renascer (Editora Record, 240 páginas, R$ 36), da terapeuta carioca Célia Resende, 51 anos, que traz relatos de sete pacientes.

Evolução – No congresso europeu, o tema foi proposto pela psicóloga americana Linda Backman, 56 anos, que trabalha há nove com terapia de vidas passadas e há dois com o entrevidas.
A psicóloga pesquisou pormenores desse período, pedindo a seus pacientes que observassem, por exemplo, como se viam.

E a novidade apresentada é que a evolução da alma pode ser aferida por sua cor. “As mais evoluídas vão do azul ao púrpura”, afirma.

No consultório da terapeuta carioca Célia Resende, acessar o entrevidas não é uma regra.
Alguns pacientes vão de uma vida para outra sem mencionar esse intervalo.
Mas ela explica que a vida e a morte tanto quanto esse período fazem parte de uma consciência global.

“A vida atual, as passadas e o entrevidas são apenas etapas de experiências da consciência, alma ou espírito”, sugere.

Em seu livro, aparece uma visão detalhada do além.
De acordo com o relato de seus pacientes, há locais de natureza exuberante e prédios com equipamentos médicos e de comunicação altamente sofisticados.

“Eles falam de avançadas máquinas usadas na cura e regressão de memória aplicada para ajudar no autoconhecimento que antecede cada reencarnação”, explica.
As cidades espirituais possuem estações de transição e hospitais para acolhimento dos que chegam, situadas sobre diversas regiões do planeta.

Há também o que denomina de Centro de Pesquisas da Consciência, onde o espírito vê projetados em uma tela os fatos traumáticos de encarnações anteriores.
“Os orientadores também ajudam a visualizar mentalmente, como fazem os terapeutas de vidas passadas”, esclarece.

A descrição do entrevidas mostra que também, e principalmente, as decisões de aperfeiçoar as relações conflituosas são tomadas nesse período.
O estudante carioca Alexandre Maia Pastore, 24 anos, procurou o atendimento em 2001 devido a dificuldades nos estudos, mas acabou por desfazer alguns nós emocionais.

Ele não tinha amigos nem namorada e seu relacionamento com os pais era difícil.
Na terapia, descobriu que em outra vida, por coincidência, foi irmão adotivo de seu atual pai e teria fugido com a mulher dele, que é sua mãe na vida atual.

“Guardava um grande sentimento de culpa e não conseguia manter um relacionamento. Agora, estou namorando e entrei na faculdade de cinema”, comemora.
Ele conta que, após a morte nessa encarnação, foi recebido pelo irmão traído, que havia morrido antes dele e já o perdoara.

“Ao reviver esse momento, consegui me perdoar”, lembra.
Depois, foi para um hospital.
“Lá havia vários aparelhos estranhos.
Fiquei me recuperando até que me disseram que eu já estava pronto para voltar”, diz.

Eficácia – Os que passam pela experiência de assumir outras personalidades ficam fascinados em se descobrirem como soldados, sacerdotes ou simples escravos e reviverem suas dores, amores, ódios e fracassos.

Mas o que dá credibilidade à terapia é, segundo seus pacientes, a eficácia.
A maioria resolve entraves psicológicos ou de saúde que a medicina ou terapia convencional não deram conta de sanar.

Alguns chegam preocupados com o fato de as idéias reencarnacionistas não fazerem parte de suas crenças religiosas, mas logo são avisados de que isso não importa para o sucesso do tratamento.

Foi o que comprovou a americana Nicole Lerch, 45 anos, criada no protestantismo.

Ela sofria de uma tendinite crônica que a impedia de tocar violino.
Em 1997, se mudou para o Rio de Janeiro, entrou na Orquestra Sinfônica Brasileira
e se tornou professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas passou um ano sem trabalhar e só se livrou da tendinite com a terapia.

Ela se viu como um lenhador que teve o braço esquerdo amputado depois de um grave ferimento.
Um encontro no pós-morte contribuiu para que ela apagasse o registro negativo do trauma.
“Depois de um entorpecimento, encontrei Ivan, um grande amigo daquela vida.
Ele me mostrou que meu braço estava inteiro.
Eu tinha sido atingida apenas no físico e não no espírito”, relembra.

Segundo os terapeutas, mesmo que as imagens, sensações e sentimentos despertados durante o processo terapêutico não sejam lembranças reais, e sim formas representativas, elas cumprem a função de trazer para o consciente problemas mal resolvidos e traumas jogados para debaixo do tapete da mente.

De qualquer forma, já há um esforço para se comprovar cientificamente se essas memórias são verídicas ou não passam de elaboração mental.
Há três anos, o Instituto Nacional de Pesquisa e Terapia Vivencial Peres, de São Paulo, pesquisa o funcionamento do cérebro durante a terapia regressiva.

Entre os estudos, um feito em parceria com a Universidade da Pensilvânia monitorou o fluxo sanguíneo no cérebro e revelou que as estruturas mais solicitadas são as do lobo médio temporal e as do lobo pré-frontal esquerdo, que respondem pela memória e pela emoção.

A conclusão é que as histórias contadas durante a terapia regressiva não são fruto da imaginação, pois, se assim fosse, o lobo frontal seria acionado e a carga emocional não seria tão intensa.

Traumas – O instituto de pesquisas paulista adota um método próprio de regressão, criado pela psiquiatra Maria Júlia Prieto Peres, a terapia reestruturativa vivencial.
E, segundo ela, o entrevidas é sempre abordado.
“São revistas todas as fases da vida para detectar traumas que possam ter relação com a queixa do paciente.
Se ele for para uma suposta vida passada, é conduzido a vivenciar a suposta morte e o suposto período entrevidas”, diz ela.

Maria Júlia explica que também é comum a menção de momentos dolorosos neste período. Sentimentos como solidão, abandono, tristeza, ódio e paixão permanecem intactos no além.
Mas há também a referência a amigos, familiares e desconhecidos iluminados.
“Alguns falam de seres benéficos, outros de uma luz ou energia boa que os conduz a locais de repouso e recuperação”, diz a psiquiatra.
Também são descritas a visão do próprio velório e enterro e a permanência entre os vivos.

Quem viveu essa experiência foi a professora Elizabeth de Melo Massaranduba, 48 anos, de São Paulo, que procurou a terapia para curar crises de pânico.
Separada, ela tinha que tomar conta sozinha dos dois filhos.

Trabalhava em dois empregos e não aceitava a situação.
Descobriu que a revolta era um traço reincidente em sua trajetória espiritual.
Em uma de suas vidas, ela era o dono de um palácio que morreu esfaqueado, mas ficou no prédio atormentando seus moradores.

“Eu não me conformava com a morte e só saí de lá coagida.
Dois homens de branco me carregaram pelos braços.
Eu esperneava, dizendo que era amigo do rei e que aquilo não ficaria impune.
Cheguei a uma construção arredondada muito diferente.

Aí, a imagem se apagou”, conta.
Em outra passagem, dois homens mostraram que suas dificuldades faziam parte de um planejamento feito por ela mesma.
“Muito sérios, eles me levaram para um lugar amplo e claro.
Numa parede, com oito telas, vi flashes de várias vidas.
Antes de nascer, eu tinha optado por resgatar algumas faltas e estava renegando isso”, conta ela.

Segundo a psiquiatra paulista Maria Teodora Ribeiro Guimarães, com pós-graduação em análise transacional pela Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, que preside a Sociedade Brasileira de Terapia de Vidas Passadas, em Campinas (SP), é comum os pacientes se verem programando a próxima volta à Terra.

“Aí a pessoa entende por que pediu para voltar naquele contexto”, acrescenta.
A engenheira carioca Sandra Tazernari, 53 anos, descobriu que, depois de ter sido um sacerdote em uma vida, resolveu voltar à Terra em situação precária para liderar uma tribo nômade do deserto e fazê-la progredir.

“Quando deixei o corpo, me vi em um lugar muito estranho, como se fosse uma bolha, de material estranho, transparente.
Depois, já adaptada, passei a ajudar os que chegavam a se recuperar do trauma da transição”, conta.

Um ponto básico defendido pelos terapeutas é a existência de uma “sabedoria espiritual” que aparece quando se está no estado alterado de consciência, provocado pela terapia.
Nesse momento, as pessoas dizem que as muitas vidas são formas de realizar a evolução espiritual e que o entrevidas é o momento de reavaliação e de preparo para a próxima tentativa na Terra.

“Nesse período, os espíritos podem ser tratados, trabalhar, estudar e conhecer estágios de evolução diferentes.

Depois, reencarnam para testar o aprendizado”, explica a psicóloga Elaine de Lucca, de São Paulo, autora de Regressão – a evolução da terapia de vida passada (Editora NovaLuz).
Ao tentar resolver suas dificuldades de manter relacionamentos amorosos, a supervisora de atendimento Keite Gomes de Toledo, 29 anos, paciente de Elaine, não só descobriu que em muitas vidas ela desprezara quem a amava como também se viu estudando para mudar esse comportamento.

Em uma das regressões, ela era um homem rústico, que morreu ferido na cabeça.
“Me vi saindo do corpo, sentia a cabeça sangrar e doer.
Fiquei num lugar escuro com gente de aspecto negativo até que uma mulher de roupa branca apareceu.

Ela propôs que eu a seguisse, resisti por um tempo.
Quando concordei, fui para um lugar muito limpo, onde cuidaram de mim.
Depois me vi num jardim, lendo um livro”, conta ela.
Keite diz que tem consciência de que precisa ser mais receptiva.
“Estou tentando”, diz ela.

Todas essas informações sobre o entrevidas também aparecem na pesquisa feita por Joel Whitton, especialista em hipno-regressão e professor de psiquiatria da Universidade de Toronto, no Canadá, autor do livro Vida, transição, vida, editado no Brasil em 1992.

Ele chama a lembrança direta do estágio entrevidas de metaconsciência.
No estudo, 30 pacientes sob hipnose foram instruídos a datar as encarnações – o que não é comum no processo terapêutico, quando o foco são as memórias emocionais –, o que lhe permitiu até calcular o tempo entre uma encarnação e outra.
O intervalo mais curto mencionado é de dez meses e o maior, de 800 anos.

É interessante notar que, se a idéia da vida após a morte faz parte da base de religiões orientais como o budismo e o hinduísmo, esses detalhes coincidem com os conceitos defendidos pelo espiritismo kardecista.

Vários livros psicografados pelo médium Chico Xavier, morto no ano passado, mostram situações e cenários semelhantes.
É o que informa a bióloga mineira Marta Antunes, 57 anos, diretora do Departamento de Estudos do Espiritismo da Federação Espírita Brasileira, sediada em Brasília.

Ela esclarece que quanto mais evoluído, mais tempo o espírito fica no entrevidas.
“Os que chegam ao estado maior de evolução só voltam à Terra se quiserem.
Todos são submetidos ao que Alan Kardec, o codificador do espiritismo, chama de planejamento reencarnatório.
Os menos evoluídos nada escolhem, são tutelados por orientadores.
A escolha depende da evolução do espírito”, completa.

Teorias como essas soam como total absurdo para muitos.
O médico psiquiatra Carlos Byton, de São Paulo, com pós-graduação no Instituto Jung, de Zurique, acha que tudo não passa de fantasia.
“É uma projeção.
As pessoas deslocam seus problemas para outras épocas”, reduz.
Também descrente, o psicanalista italiano radicado no Rio, Giorgio Trotto, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é mais flexível.

“As vidas passadas são reflexo do inconsciente coletivo.
Toda a experiência de antepassados e da humanidade se acumula na mente humana ao longo de sua evolução”, propõe.
O psicanalista e psiquiatra Benilton Bezerra, professor do Instituto Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, diz compreender as motivações éticas para a tese da reencarnação, da qual não é adepto.
“Ela responsabiliza o sujeito pelas consequências de seus atos, como nas religiões orientais”, diz.

Enquanto as provas científicas sobre o além não aparecem, só resta o caminho da fé aos interessados em tema tão fascinante.
De qualquer forma, os bons resultados da terapia de vidas passadas não deixam de intrigar os céticos.


Celina Cortês e Rita Moraes
A partir da Revista IstoÉ (Edição: 1780 | 23.Nov.03).

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