sábado, 14 de setembro de 2013

Mentes brilhantes, mentes treinadas






Na ânsia de sobrepor as máquinas, o homem se desumanizou, tornando-se um trator social.
Nada mais revolucionário que um novo código da inteligência para redefinir as regras do jogo

Em uma época caracterizada por medos, incertezas, pensamentos acelerados, angústias e

depressões, treinar a emoção é desenvolver as funções mais importantes da inteligência,
entre elas, gerenciar os pensamentos, proteger a emoção dos focos de tensão, pensar antes de agir, colocar-se no lugar dos outros, perseguir os sonhos e valorizar a vida.

Para o médico psiquiatra Augusto Jorge Cury, de 52 anos, o ser humano busca incessantemente conhecer o imenso espaço do universo que nunca pisará e o pequeno átomo que nunca verá,
mas não se interessa em saber sobre o seu planeta psíquico.
“Possuímos um ‘eu’?
Qual o papel dele: gestor ou expectador passivo?
De onde os pensamentos vêm e como administrá-los?”.

Desde os primeiros rabiscos sobre suas próprias angústias e dúvidas, no segundo ano da época da faculdade de Medicina, Cury já publicou 25 livros que venderam mais de 12 milhões de
exemplares só no Brasil e foram editados em 50 países.
Ele é considerado pelo jornal Folha de São Paulo o autor brasileiro mais lido da década.
Em entrevista à Única, ele expõe seu temor em relação ao adoecimento da humanidade. “Esperávamos ter a geração mais feliz de todos os tempos, pois o século 21 trouxe uma
indústria de lazer sofisticada, com TV, internet, esporte, música, mas aconteceu o contrário”.
Cury explica que falta às pessoas condições de desenvolver alguns códigos para libertar a imaginação, transformar perdas em ganhos e fracassos em oportunidades.
“Ninguém consegue ser um grande ser humano se não transformar suas lágrimas em sabedoria”.



Única – O que é o ‘código da inteligência’?

Cury – Na realidade, são oito os códigos da inteligência que se decifrados podem transformar
nossa vida: eu, como gestor do intelecto, autocrítica, resiliência, altruísmo, debate de ideias,
carisma; eu, como gestor das emoções e intuição criativa.
A partir deles, é possível obter saúde psíquica, relações saudáveis, criatividade, eficiência
profissional e prazer.
Infelizmente, escolas e universidades não levam seus alunos a entendê-los e aplicá-los.
Estão formando meros repetidores de informação e não pensadores.


Única – Como treinar o intelecto para decifrar esses códigos?

Cury – O primeiro passo é ter um caso de amor consigo mesmo.
Não desprezar sua origem, suas perdas, fracassos, até sua estupidez.
É nos momentos mais difíceis da vida que escrevemos os capítulos mais importantes da nossa história.
Não tenha medo de se conhecer e de cruzar o seu mundo com o dos outros.
Abrace mais, beije mais, não seja escravo dos seus problemas.
Alimente o anfiteatro dos pensamentos e o território da sua emoção com coragem e ousadia.
Não se conforme, nem seja tímido.
Você pode não ter dinheiro, mas se for rico em bom senso e otimismo terá uma vida fantástica!



Única – O senhor sempre repete em seus livros e palestras que o pessimismo é um câncer da alma, como enfrentá-lo diante de um cenário mundial aparentemente sombrio?

Cury – Pesquisas em universidades norte-americanas já demonstraram que pessoas otimistas têm 30% a menos de chances de ter doenças cardíacas, menos ainda de desencadear doenças
emocionais e psicossomáticas.
Então, vale a pena tentar desenvolver o verdadeiro otimismo, aquele construído pelo enfrentamento dos problemas e não pela sua negação.
Ao invés de temer a vida, fechando-se em um casulo, por que não caminhar por ela sempre de braços abertos para as oportunidades?
Liberte a criança feliz que está em você!

Única – Um dos pontos de destaque na humanização do ser humano é a empatia?


Cury – A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das funções mais importantes da inteligência.
Demonstra o grau de maturidade do ser humano, o quanto consegue enxergar palavras que nunca foram ditas, lágrimas jamais derramadas.
Apontar falhas, criticar, julgar e excluir sem entender o que está por detrás da cortina dos comportamentos é fácil, mas é muito triste.
Cerca de 900 mil pessoas tiram suas vidas por ano no mundo.
Se fôssemos treinados para ser altruístas e ouvir mais as dores dos outros, penetrar no
mundo dos que sofrem, certamente as estatísticas seriam bem diferentes.



Única – Como obter proteção emocional?

Cury – A partir de um código fundamental da inteligência: a resiliência, que é a capacidade de suportar contrariedades mantendo a integridade.
A palavra resiliente designa materiais flexíveis e resistentes diante de estímulos estressantes.
Nessa nova dinâmica, o ‘eu’ assume o lugar de autor da própria história ao gerenciar os próprios pensamentos e sentimentos.
A vida é uma grande peça teatral, em que drama e comédia, sorriso e lágrima, fazem parte.
Quem quer o brilho do sol tem que adquirir habilidade de superar as tempestades.
O problema é que estamos educando nossas crianças apenas para o sucesso e os aplausos.

Única – Mas a mente tem armadilhas que podem nos tirar a vitalidade e impedir a revisão dos paradigmas...


Cury – Conforme os meus estudos são quatro principais: conformismo, coitadismo, medo de reconhecer os erros e de correr riscos.
Conformar-se é amordaçar o ‘eu’, impedindo-o de lutar pelos seus ideais, de investir em seus projetos, de transformar a sua história.
Não assumir a responsabilidade como agente transformador do mundo, pelo menos do seu mundo. Não existe o acaso, o destino somos nós que fazemos.



Única – O senhor critica muito o sistema educacional e a maneira como as famílias vêm conduzindo a educação dos filhos. Como driblar isso?

Cury – É preciso incorporar os hábitos dos educadores brilhantes.
Coloque limites sem medo e diga ‘não’ quantas vezes for necessário.
Os resmungos, as birras e as crises deles serão construtivos.
Eu sei que os pais se sentem perdidos, porém é preciso tomar a rédea da situação.
Adote uma postura amorosa, criativa.
Ao invés de passar um sermão, surpreenda seu filho (ou aluno) fazendo-o refletir sobre os próprios erros.
Nunca se esqueça, os elogios devem sempre ser feitos em público, mas as censuras em particular.

Única – No seu livro Pais Brilhantes, Professores Fascinantes o senhor diz que ‘pensar é excelente, pensar muito é péssimo’, o que significa?

Cury – Quem pensa muito rouba energia do córtex cerebral e sente fadiga excessiva, mesmo
sem ter feito exercício físico.
A sensação de cansaço pode ser até 10 vezes maior que de um trabalhador braçal.
Este é um dos sintomas da Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA).
Os demais sintomas são sono insuficiente, irritabilidade, sofrimento por antecipação,
esquecimento, déficit de concentração, aversão à rotina e, às vezes, sintomas psicossomáticos,
como dor de cabeça, dores musculares, taquicardia e gastrite.



Única – O que é a SPA e como surgiu?

Cury – Ele é produzido pelo excesso de estímulos visual e sonoro (da TV, internet, jogos
eletrônicos e similares), o que defino como fast food emocional.
Note que não falei da qualidade do conteúdo, mas do excesso de informações.
Hoje, uma criança de sete anos tem mais informações que alguém de 70 anos no século passado.
Na atualidade, o maior vilão da qualidade de vida do ser humano é o excesso de pensamentos.
O consumismo e a paranoia da estética acentuam os problemas ao tornar as pessoas
emocionalmente superficiais e dependentes de grandes eventos para obter prazer quando pessoas profundas encontram prazer nas coisas ocultas.


Única – Como acontece o gerenciamento do pensamento?

Cury – Três grandes fenômenos regem a mente humana.
São eles a construção do pensamento, o ‘eu’ líder (que deveria gerenciar o processo),
a memória e a emoção e energia psíquica.
A elaboração do pensamento acontece a partir de um processo identificado como autofluxo que trabalha independentemente da vontade consciente.
Ele faz a leitura das informações e atua como diretor do script intelectual montando uma espécie
de filme para distrair o homo sapiens.
Todos os dias, nós arquivamos milhares de pensamentos e experiências.
Diferentemente dos computadores, esse registro é involuntário, produzido pelo fenômeno RAM (registro automático da memória) e não pode mais ser deletado, apenas reeditado.

Única – Dentro desse processo de construção e arquivamento das ideias e experiências, o que são janelas light e killer?

Cury – A emoção define a qualidade do registro da memória, portanto, todas as experiências
com alto volume emocional provocam um arquivamento privilegiado.
Uma experiência dolorosa, por exemplo, é registrada automaticamente no centro da memória.
A partir daí é lida continuamente, gerando milhares de outros pensamentos que formam zonas de conflito no inconsciente, que são as janelas killers.
Toda vez que você entra em uma área traumática, o volume de tensão é tão grande que bloqueia milhares de outras janelas fazendo seu ‘eu’ não encontrar informações para dar respostas inteligentes nas situações estressantes.
É por isso que nos primeiros 30 segundos, quando entramos em uma janela killer, costumamos cometer os maiores erros da nossa vida.
Somos sequestrados no único lugar em que deveríamos ser livres: dentro de nós mesmos.



Única - Há meios de se libertar de uma janela killer?

Cury – Sim, não tentando ser herói.
Faça silêncio em situações de tensão.
Não há gigante nessa área, mesmo Jesus, o grande mestre, quando inquirido sobre o apedrejamento de uma mulher não se submeteu à ditadura da resposta.
Interiorizou-se primeiro para só depois falar, pois o principal objetivo da vida dele era ser fiel a
sua consciência.
A partir do silêncio pró-ativo é possível questionar-se sobre as verdades interiores e abrir as
janelas lights da memória, aquelas que financiam a sabedoria, a maturidade, a reação serena, a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de proteger a própria emoção.

Única – Mas, doutor, a sociedade entende que ‘quem leva desaforo para casa’ é alguém fraco e submisso.

Cury – Na realidade, quem precisa provar aos outros que é forte certamente é frágil onde mais deveria ser gigante, dentro de si mesmo.
Não reagir ao agressor é sinônimo de sabedoria e força interior.
Toda vez que alguém o agredir ou humilhar, dê um tapa com luva de pelica no coração dele.
E perdoe-o, para que não ocupe um lugar privilegiado na sua mente, nem na sua vida.
Atenção, quem fere é alguém ferido.
Pessoas felizes e saudáveis distribuem sorrisos e amor.
Quando aprender a interiorizar-se, estará protegendo sua emoção e desenvolvendo a arte da
tolerância e da flexibilidade.
Viver com o ser humano se torna mais gostoso porque você diminui sua expectativa de retorno, tampouco exige algo que o outro não pode oferecer.



Única – O senhor descreve esse fenômeno de seleção da memória, mas a mídia já o utiliza
com muita frequência, não parece ser algo novo.

Cury – E não é!
Mesmo sem ter conhecimento científico, jornais e TVs do mundo todo anunciam as misérias humanas – mortes, acidentes, sequestros, doenças – para fisgar a emoção e gerar concentração.
Percebeu-se intuitivamente que os conteúdos com alto teor de tensão prendiam a atenção do leitor
ou do telespectador.
Em contrapartida, nossa memória tornou-se uma lata de lixo, não é à toa que o homem moderno é intranquilo e sofre por antecipação.

Única – É possível reverter essa sensação de medo alimentada pela mídia sensacionalista?

Hoje, até as crianças estão ansiosas, estressadas e deprimidas.

Cury – Use sua capacidade crítica para filtrar os estímulos estressantes e prepare seus filhos para terem também, pois apenas assim serão livres para escolher e decidir.
Não se engane, para o sistema em que vivemos, por mais ético que você pretenda ser, você e sua família são consumidores em potencial e não seres humanos.
Mais que ensinar as crianças a escovarem os dentes, mostre-lhes como fazer higiene psíquica. Imponha horários para televisão, videogame e internet.
Se possível, desligue de vez a TV por algumas horas, dias ou semanas da vida de vocês.
Dê mais importância ao convívio, brinquem juntos, passeiem, contem histórias, contemplem o espetáculo que é viver.


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